sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Há pouco, a Câmara Municipal de Itapetim, no Sertão do Pajeú, me concedeu o honroso título de cidadão. O vereador Júnior de Diógenes (PSB) é autor da proposição.


 Leia o discurso proferido durante a solenidade:

"A mãe-terra da poesia

Minhas senhoras, meus senhores vereadores,

Quando menino de calças curtas, apreciando a lua e sonhando acordado em Afogados da Ingazeira, meu berço maternal, ouvi muito um ditado judaico que dizia: "Deus não pode estar em todos os lugares. Por isso, criou as mães". 

Parodiando os judaicos, diria que Deus esteve em todos os lugares do Pajeú, em todos os recantos do Sertão poético, mas só se encantou com as sombras das amburanas e deu seu brado ao mundo: "A mãe da poesia é Itapetim".

Hoje, ao receber meu batismo de Cidadão de Itapetim, através de proposição do vereador Júnior de Diógenes, respaldada pela unanimidade desta Casa, peço perdão de antemão aos meus agora nobres conterrâneos de São José do Egito: o Reino Encantado da Poesia é Itapetim.

É a velha Amburanas, também batizada de São Pedro dos Lajes e Itapetininga. Verdadeiramente, com a justiça que cai do Céu e emana do soberano, Itapetim é a terra-mãe da rima e do verso. Foi nela que vieram ao mundo para cantar, declamar e versejar Rogaciano Leite, os irmãos Dimas, Zé Catota, Cancão, Manoel Filó, Zé Adalberto, João de Vital, Adalberto de Vital, Zé da Loteria e tantos e tantos farejadores da rima e do verso solto dos apóstolos da viola.

Se a saudade maltrata, ela também tem mãe, nasceu em Itapetim, escrita num pedaço de papel amassado do itapetinense Antônio Pereira de Souza, o Poeta da Saudade: "Saudade é um parafuso/Que na rosca quando cai/Só entra se for torcendo/Porque batendo num vai/E enferrujando dentro/Nem distorcendo num sai".

E floresceu nos versos de Manoel Filó, outro ilustre filho das amburanas, que davam sombra e inspiravam os seus poetas: "Das doenças que tive até agora/A que mais me incomoda é a saudade/Quem rasgou o meu véu da castidade/Sacudiu sobre a lama e foi embora/Das doenças que tive até agora/A que mais me incomoda é a saudade". 

Ventre imortal da poesia, Itapetim, em tupi-guarani, é pedra achatada branca. Tinha uma pedra no meio do caminho, recitou Carlos Drummond de Andrade. As pedras também iluminam seus poetas. Manoel de Barros disse que quando as aves falam com as pedras é de poesia que estão falando. 

Pedras não constroem apenas castelos. Victor Hugo proclamou que do atrito de duas pedras saem faíscas, das faíscas vem o fogo, do fogo brota a luz. Itapetim é luz jogada na escuridão dos que procuram inspiração. Quando nada parecer poesia, das amburanas sairão os motes dos desafios poéticos.

Reza a lenda que quem bebe da água do rio Pajeú, desta nascente Itapetim, sai fazendo música e poesia pelo mundo afora. Um dos pioneiros em documentar a poesia latente do Pajeú, o professor Marcos Nunes catalogou 270 poetas só em Itapetim.   

O primeiro cantador de viola de que se tem notícia no Brasil é Agostinho Nunes da Costa, filho de João Nunes da Costa, um judeu que veio da Galícia para o Recife nas primeiras décadas do século 18. Cristão novo, perseguido, foi morar em João Pessoa, mas continuou fugindo até parar numa fazenda onde se fez Teixeira, na Paraíba. 

De Teixeira, descendo pelo leito do rio Pajeú, o primeiro pedaço de chão poético achado por Agostinho foi Itapetim. Li que tropeiros e almocreves, homens tangedores de azêmolas, os animais de cargas, foram seus fundadores. Andavam em comboios, vindo de Flores e Sertânia, tendo como destino as paraibanas Princesa Isabel e Espinharas. 

No caminho, descansavam sobre a sombra das amburanas, daí a razão de Itapetim na sua nascência ter sido batizada de Amburanas. Nasceu, na verdade, de uma feira, em 1878, criada e frequentada pelos tropeiros. João Miguel era tropeiro, seus netos tropeiros são, recorro a uma rima.

Mais que um religioso, um político, o Padre João Leite Gonçalves se confunde com a história e a vida de Itapetim. Deu sangue e suor pela sua terra. Aqui, conheci também e entrevistei Carlézio Medeiros e me encantei com o seu livro Terra, pão e cangaço. 

Toda poesia é uma canção, reflete o que a alma não tem. "Por isso, a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste", dizia Fernando Pessoa. Os trovadores do passado deram o charme do berço da poesia a Itapetim. Aqui, o amor é a poesia dos sentidos. Mário Quintana dizia que a poesia não se entrega a quem a define.

Mas toda poesia é linda e emociona. Encanta, sobretudo, quando seu canto torto nasce no mato, no improvisar de um poeta sem letras que se aprendem nos bancos escolares, e ganha reconhecimento dos nobres europeus, como o canto de Leonardo Bastião, orgulho vivo de Itapetim. 

Seus versos foram difundidos no mundo pela BBC de Londres. "A sombra que me acompanha/ Não é a que me socorre/ Se eu andar, ela anda/ Se eu correr, ela corre/ E é mais feliz do que eu/ Não adoece nem morre”, diz um dos versos deste fantástico matuto de minha Itapetim. 

Bastião, de quase 80 anos, não sabe ler nem escrever. Palavras, rimas e métricas brotam na cabeça dele no improviso, inspiradas pela caatinga, pelo solo castigado, pela seca, pelos bichos de sua estimação. E um desses bichos era a coruja, a quem fez esse verso: 

"Ontem, eu vi uma coruja/Sentada numa cancela/ Demorei 30 segundos/ Olhando a feiura dela/ Quando me vi no espelho/Estava mais feio do que ela". 

Bastião virou celebridade e até mural na cidade com este verso antológico: "Com dez anos eu sabia/O que era verso e rima/ Me criei pisando em cima/ Da terra da poesia/Fiz glosa e fiz cantoria/Glosei pouco e cantei ruim/Que esse lugar é assim/ Pra fazer verso adoidado/Basta só ser batizado/Na matriz de Itapetim". 

Dizem que Manoel Filó, ao fazer uma homenagem a sua mãe, estava, nas estrelinhas, também saudando à sua mãe Itapetim quando disse: 

Minha mãe que me deu papa/ Me deu doce, me deu bolo/Mamãe que me deu consolo/Leite fervido e garapa/Minha mãe me deu um tapa/E depois se arrependeu/Beijou aonde bateu/ Acabou a inchação/Quem perde mãe tem razão/De chorar o que perdeu". 

Minhas senhoras, meus senhores,

Já sou cidadão de mais de 60 municípios de Pernambuco. Credito todas essas homenagens ao bom combate no exercício de um jornalismo cidadão. Para mim, jornalismo é tirar a venda dos olhos de quem não conhece a verdade, é um fio que liga as pessoas ao mundo. 

A Imprensa, da qual faço parte com muito orgulho, é a voz dos oprimidos, o terror dos malfeitores. Jornalismo é a arte de sintonizar o mundo as pessoas. Defendo os mais fracos, os oprimidos, os que têm sede de justiça. 

O jornalismo permite que seus leitores testemunhem a história, mas ele só tem sua função e objetivos cumpridos quando mobiliza a sociedade de alguma forma defendendo causas. O reconhecimento de Itapetim ao meu trabalho, hoje, se dá em favor de causas: pelo combate ao fim da indústria da seca, aos malfeitos, a mais emprego, distribuição de renda e justica social.

Meus agradecimentos ao veredor Júnior de Diógenes e a todos os nobres parlamentares que compõem esta Casa, ao prefeito Adelmo Moura, que tão bem tem cuidado da minha Itapetim. De todos os poetas, escolhi Manoel de Filó para encerra esta fala. 

Ele fala do tempo que passa, que nos traz os cabelos brancos e nos faz mergulhar num oceano de saudade. 

"Meus tempos de mocidade/Deus não consente voltar/Eu não consigo passar/Sem ser vítima da saudade/Com o pincel da idade/Minha pele foi tingida/A feição diminuída/Como o verão faz na flor/Todo dia muda a cor/ Do quadro da minha vida"." 

Nenhum comentário:

Postar um comentário