domingo, 18 de julho de 2021

Congresso desconectado do povo

 A grave crise econômica que o Brasil atravessa não foi suficiente para sensibilizar o Parlamento brasileiro na última quinta-feira (15), quando decidiu pelo aumento dos recursos públicos para o financiamento eleitoral no próximo ano. A medida foi aprovada no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em 2022, que determina as metas e prioridades para os gastos do governo.

Relator da proposta, o deputado federal Juscelino Filho (DEM-MA) incluiu no texto um piso correspondente a 25% da verba destinada à Justiça Eleitoral no ano que vem. Pelos cálculos de técnicos do Congresso, o valor para o fundo será de R$ 5,7 bilhões, quase o triplo dos R$ 2 bilhões gastos nas últimas eleições.

O parlamentar argumentou que “o Fundo de Financiamento de Campanha tem papel no exercício da democracia dos partidos”. O texto foi aprovado por 278 votos a 145 na Câmara, enquanto no Senado Federal, foram 40 favoráveis e 33 contrários.

É estarrecedor que o Congresso chancele um fundo eleitoral tão volumoso, sobretudo por desconsiderar a realidade do Brasil, um país extremamente desigual. São mais de 15 milhões de desempregados, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e 19 milhões de pessoas em situação de fome, conforme aponta a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan).

Após a aprovação, parlamentares foram cobrados nas redes sociais. Membros da base governista chegaram a protestar contra a elevação do fundo, embora tenham votado a favor da LDO, mesmo com o jabuti. “A gente votou a favor porque, sendo governo, precisa votar com o Orçamento”, justificou a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). O texto seguiu para sanção presidencial.

“Casca de banana” – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chamou de “casca de banana” o fundo eleitoral de R$ 5,7 bi. A declaração foi dada em entrevista coletiva, ontem, na saída do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, após quatro dias internado. Ele saiu em defesa dos que votaram a favor da LDO e abriu a possibilidade de vetar o fundão: “Obrigado aos parlamentares que votaram a LDO. Todos eles estão sendo acusados injustamente de ter votado o fundão. Eu sigo a minha consciência, sigo a economia, e a gente vai buscar dar um bom final para isso daí. Afinal de contas, já antecipo: R$ 6 bilhões para fundo eleitoral? Pelo amor de Deus.”

Bolsonaro culpa Ramos – O chefe do Executivo responsabilizou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), que conduziu a sessão da LDO na Casa, pela aprovação do fundo eleitoral. “Muitos parlamentares tentaram destacar essa questão (fundo eleitoral). O responsável por aprovar isso aí é o Marcelo Ramos lá do Amazonas, viu presidente (Arthur Lira, do PP-AL). Ele que fez isso tudo”, acusou. “Pelo amor de Deus, o estado do Amazonas ter um parlamentar como esse. Ele (Marcelo Ramos) atropelou, ignorou, passou por cima e não botu em votação o destaque”, prosseguiu.

Deputado desafia presidente – “Ele (Bolsonaro) deveria é dizer que vai vetar, mas vai tentar arrumar alguém para responsabilizar também, porque é típico dele e dos filhos correrem das suas responsabilidades e obrigações”, reagiu Ramos. Em vídeo, o parlamentar foi além: “Quem encaminhou a LDO com previsão de fundo eleitoral para o Congresso foi ele, o governo dele. Quem articulou a votação na Comissão Mista do Orçamento para definir o valor foram os líderes do governo dele. Quem articulou a votação em plenário foram os líderes do governo dele. Eu só presidi a sessão e quero lembrar que não houve protestos pelos líderes do governo, nem pelo líder do partido do filho dele contra a votação simbólica.”

Voto impresso – Ficou para depois do recesso parlamentar a votação do parecer sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, que torna a impressão do voto obrigatória. Na última sexta-feira (16), a comissão especial que analisa o tema na Câmara chegou a se reunir, mas a sessão bastante açodada terminou sem que os 34 membros pudessem votar. Na iminência de uma derrota, o presidente da Comissão, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), decidiu dar mais tempo ao relator Filipe Barros (PSL-PR) para que ele faça alterações no texto. Ambos são da ala bolsonarista e favoráveis à proposição. Após o anúncio, Martins, que presidia a distância, encerrou a reunião abruptamente, sob protestos de vários parlamentares de oposição. Foi chamado de “picareta” pelo deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Pernambucanos na comissão – Há três deputados pernambucanos entre os titulares na Comissão: Carlos Veras (PT), Milton Coelho (PSB) e Wolney Queiroz (PDT). Ao menos os dois primeiros são contrários à mudança. “O contexto de implantar o voto impresso é de criar embaraços para a apuração das eleições de 2022, tornando o processo de apuração confuso e inconclusivo, a exemplo do que se tentou fazer nos EUA e mais recentemente no Peru”, disse Milton à coluna. Veras, por sua vez, avalia “a questão do voto impresso, geral e amplo, da forma como os governistas pretendiam, como matéria já derrotada. É possível que o relator faça uma alteração substancial, sabendo da derrota. O que importa é que a democracia, e as suas garantias, se impuseram”. O Blog procurou Wolney, mas não obteve resposta.

CURTAS

SEMIPRESIDENCIALISMO – O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem defendido a mudança de sistema de governo por meio de uma PEC. Ele já articula com aliados a alteração e justifica que o presidencialismo virou “fonte inesgotável de crises”.

RECUPERADO – O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, publicou um vídeo de agradecimento em suas redes sociais, ontem, demonstrando estar recuperado da angioplastia para a colocação de stent. Na madrugada de sábado (17), ele se submeteu ao procedimento. Na noite anterior, teve um mal-estar enquanto viajava para Porto Seguro (BA), onde passa férias.

Perguntar não ofende: Bolsonaro vai vetar o fundão eleitoral?

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